ESPHERO graphica

Grupo de Escrita Criativa

Sobre
O grupo ESPHEROGRAPHICA é um grupo de jovens estudantes com gosto e paixão pela escrita que procuram a partilha mútua de experiência literárias que possam providenciar uma evolução própria e uma melhor construção de uma identidade literária.
Objectivos
Por meio de exercícios de escrita e de criatividade, desde a dinâmica mental até à compreensão gramatical, sintática e ortográfica da língua, o grupo de escrita Espherographica visa desenvolver uma série de actividades por fim a melhor as capacidades por meio de interajuda e comunicação com outros. Aqui serão dispostos os resultados dessas sessões.
Textos
Exercício #3 - Sessão #2

Por Ana Santos

1. O café estava delicioso

Sentou-se, puxou da carteira e retirou as moedas que lhe convinham a pagar o seu pedido. Sozinho na mesa, sozinho no lugar, nada do que habitualmente poderia ter importando um qualquer transeunte ou mero habitante da cidade parecia incomodá-lo naquele dia; apossava-se-lhe uma enorme indiferença em que tudo lhe parecia tão igual ao habitual que já conhecia.

O empregado poisou a chávena à sua frente e, em gesto mecânico diário, deitou o açúcar, puxou da colher e remxeu, remexeu, remexeu, sempre em sentindo dos ponteiros do relógio, um habitual tão impregnado nos seus gestos que mal lhes dava pela presença. De olhos postos no outro lado da rua, onde avistou uma mulher a passear com uma criança pela mão, levou a chávena aos lábios; a criança segurava um balão vermelho na sua mão, aquilo lembrava-lhe um filme, pensava, como se tudo o resto fosse de um monocromático que provocava estranheza perante aquele balão. Sorveu do primeiro gole; queimou-se na língua.

Ao segundo gole, contudo, esqueceu o balão, criança e mulher e fixou-se naquele gosto que lhe inundava o paladar. Admirado, sorveu mais um pouco e outro ainda, em goles pequenos e ponderados, como quem poupa o último pedaço de um bolo de chocolate para pronlongar a sua maravilha aromática. Era amargo, mas não tão amargo que o levasse a pensar que era um café rude ou sem gosto; a amargura jogava em consonância perfeita com um ligeiro travo ácido que se fazia sentir na língua. Contudo, aquela adição de açúcar combinava tudo isso numa miscelânea de sensações que, coroadas por um doce final, lhe proporcionava todo um deslumbre gostativo no paladar. Aquele era o café mais delicioso que bebera.

2. Na rua, estava frio.

Nunca conseguia dizer, através da janela apenas, as circunstâncias climáticas do dia. Naquela manhã, viu o cinzento das nuvens no céu e ponderou o ar gélido que se fizera sentir nos últimos tempos. Preveniu-se; a sua casa estava quente, um morno confortável do aquecedor da sala que lhe enchia o corpo de um calor agradável; como não lhe apetecia minimamente enfrentar a rua! Agarrou no casaco e lançou-o ao ombro.

Já na escada, no hall de entrada do prédio, conseguia sentir a aragem gélida vinda da rua. Aí, as pessoas apertavam casacos, ajeitavam boinas e bonés, enrolavam cachecóis grossos de lã em torno do pescoço. Apercebeceu-se de que se esquecera do cachecol; como sentiria frio de pescoço descoberto! Por um segundo curto, ponderou subir até casa novamente e reaver o cachecol esquecido, mas ao olhar para o relógio apercebeu-se de que não havia tempo. Praguejando, abriu a porta e saiu até à rua. Um carro buzinou quando a brusca aragem lhe embateu nas faces ainda mornas como uma estalada gélida de ódio. Enervada, puxou pela gola curta do casaco, enrolando os cabelos em torno do pescoço; escondeu os braços sob os sovacos, o corpo tremendo numa ânsia de reservar algum calor para si, de impedir que o quente corporal que escondia sob as roupas não lhe fosse levado pelo vento.

3. Estava vento. O homem apertou o casaco.

Já o conseguia detectar do interior do seu carro, e quase que sentia a instabilidade no veículo à medida que conduzia. A brusca ventania esgueirava-se pelo vidro sempre que tentava abri-lo um pouco; sentia-se encalorado no interior do automóvel, mas sempre que abria o vidro do lado do seu lado, todo o ar se esgueirava tão violentamente para o interior que mal conseguia respirar.

Quando estacionou o carro, preparou-se para sair, ciente de que a ventania exterior lhe causaria um enorme incómodo. Conseguia ver as mulheres na rua a barafustarem para si enquanto prendiam os cabelos com elásticos ou os agarravam com as mãos teimosas que não queriam impedir os esbeltos penteados de se desfazerem. Nao se via uma mulher de saias; as que estavam assim vestidas, jovens que pareciam imunes à ventania, agarravam-nas com dedinhos cuidados enquanto gargalhavam timidamente umas para as outras. Ele bufou de desespero, sentindo apenas um ligeiro alento enquanto levava a mão ao manípulo da porta e abriu-a.

A primeira coisa que sentiu foi uma violenta corrente de ar de tal forma intensa que os seus pés perderam a noção do caminho que pisavam, atrapalharam-se e deu por si desequilibrar-se. O sobretudo estava no banco de trás e, mais do que nunca, ansiou por tê-lo ali à mão. Abriu a porta e, aquele momento em que enfiou a cabeça no interior do carro, pareceu-lhe um mero segundo de conforto eterno do qual não queria escapar. Fechou a porta num brusco baque, vestiu o sobretudo a muito custo, as mangas esvoaçando aqui e ali, as abas longas do casaco esvoaçando-lhe em torno do corpo rebeldemente, o tecido áspero do vestuário roçando-lhe bruscamente na carda enquanto se debatia com a simples tarefa de vestir um sobretudo.

Dominado o sobretudo, procurou seguir em frente, as pernas combatendo contra o vento forte que lhe soprava contra ele, o ar esgueirando-se tão violentamente contra a cara que sentia-o encher-lhe as narinas, um enorme sufoco que lhe apertava o nariz, a garganta, o peito. Puxou do cachecol e enrolou-o em torno da boca e do nariz; a oportunidade de respirar calma e normalmente pareceu-lhe uma dádiva divina. A última coisa em que pensou antes de conseguir encontrar uma forma mecânica e eficar de seguir caminho sem que o vento o atrapalhasse foi como estava tão grato por não ser uma mulher de saias e cabelos compridos.

4. A mulher olhou o relógio impacientemente.

Na sala, a televisão berrava como que para atenuar toda a sua insegurança. Andava de um lado para o outro enquanto procurava pequenas tarefas para ocupar a mente perturbada pela espera: as almofadas do sofá estavam tortas, uma delas caída no chão; o relógio da cozinha tinha parado de trabalhar havia três dias, aquele momento pareceu-lhe o ideal para lhe trocar as pilhas; ainda não tinha feito a cama; limpou o pó da mesa de café e até poliu as molduras que ela fingiu serem de prata para efeito de eficácia de todas as suas tarefas.

Tinha feito o telefonema quase meia hora antes. Uma chamada simples que tantas vezes antes fizera. Sabia que era um telefonema do qual tinha vindo a usufruir demasiado nos últimos tempos, contudo, a sua vida solitária naquela casa que lhe parecia que lhe parecia tão demasiado grande para si premeditava-lhe esse pequeno vício de que não se conseguia desabituar.

Sentou-se no sofá e abriu uma revista poisada sobre a mesa de café, mas não leu. Constantemente olhava para o relógio de pulso. Trinta e sete minutos haviam passado e ela não conseguiu compreender porque era que a sua chamada parecia demorar tanto tempo a surtir efeito. Voltou a olhar o relógio; ainda trinta e sete minutos, mas o ponteiro dos segundos estava cada vez mais próximo do final daquele pequeno minuto – como tinha passado apenas segundos quando lhe parecia que dois minutos haviam passado? A sua perna descontrolava-se e ganhava uma instância própria que se revelava através de um bater constante do seu pé sobre a carpete do chão. Tremia-lhe; e tremia-lhe tanto que nem ela se apercebia. Quanto tem mais iria durar? Voltou a olhar o relógio – trinta e oito minutos. Como! Como podia ter passado um minuto! Que distracção era a sua, que fixação era aquela? E onde estava o maldito homem?

Finlmente, tocaram à porta. Num êxtase de alívio, saltou do sofá com pressa e abriu a porta, já com o dinheiro preparado no bolso. O homem recebeu as notas com um sorriso no rosto; ela mal reparou nele. Segurou na caixa e fechou a porta na cara dele, praguejando contra a ineficácia da entrega. Sentou-se no sofá aliviada e comeu a sua pizza.

5. Ela sentou-se sobre a cadeira desconfortavelmente enquanto ajeitava a saia.

Porque raio tinha decidido ir de saia para um evento daqueles, num dia daqueles, era algo que dera por si a debater-se ao longo de toda a longa caminhada desde casa até ali. Sempre se sentira tão confortável em saias; tinha confiança nas suas esbeltas pernas- pois sabia que eram esbeltas – e que já comaçavam a adquirir uma leve tonalidade torrada do sol de verão. Gostava de as exibir. E eis que naquele dia se sente exposta, qause nua. Sente os olhos dos outros pregados em si, homens e mulheres sem descriminar, todos a olham, todos a julgam. E não sabe porquê.

Ou talvez saiba. Quando entrou na sala, sentia à mesma esse peso dos olhares sobre si, contudo, era diferente. Ali, não havia olhares famintos, mas de compaixão. Havia pena nos olhos das outras raparigas sentadas na sala de espera, algumas com homens ou meros rapazes do seu lado, segurando as suas mãos como se a consulta que tivessem marcado lhes fosse uma terrível premissa de dor e tortura.

Quando se sentou na cadeira, desde logo que esta lhe parecia feita de cimento rude, mal limado, quadrado e desconfortável, e então continuou a perguntar-se porque fora que, afinal, ela vestira saia para aquela consulta. Poderia ter ido de calças, mas supôs que se tornaria mais constrangedor, pois o acto de despir um par de calças num gabinete médico parecia-lhe o cúmulo do ridículo – mas que lhe interessava isso quando ia vestir aquelas estúpidas batas que lhe mostravam o traseiro?

Era a consulta marcada que a fazia sentir-se irrequieta. As roupas roçavam ruidosamente contra a superfície plástica da cadeira e ela conseguia sentir todos os olhares pregados nela, como se lhe exigissem que parasse quieta. Sentia-se tão estridente que não conseguiu evitar ela mesma pensar isso. A saia parecia-lhe mais curta do que nunca naquele instante; teve tanto medo que lhe vissem o que não deviam que deu por si acruzar as pernas com tanta força que o sangue lhe parou abaixo dos joelhos. Levou uma mão a puxá-la, mas o seu gesto parecia tão evidente que logo de seguida a sua face ardeu de embaraço. Sentia os olhos pregados nela mais intensamente do que nunca – e no entanto, ninguém a olhava. Forçou-se a ficar quieta no seu lugar quando o nome da senhora ao seu lado foi chamado; a mulher levantou-se e entrou no gabinete do médico; ela estava consciente de que seria a próxima. Esperou. E enquanto esperava, perguntava-se novamente porque raio decidira vestir uma saia para a sua primeira consulta no ginecologista.

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quinta-feira, 28 de junho de 2012

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