ESPHERO graphica

Grupo de Escrita Criativa

Sobre
O grupo ESPHEROGRAPHICA é um grupo de jovens estudantes com gosto e paixão pela escrita que procuram a partilha mútua de experiência literárias que possam providenciar uma evolução própria e uma melhor construção de uma identidade literária.
Objectivos
Por meio de exercícios de escrita e de criatividade, desde a dinâmica mental até à compreensão gramatical, sintática e ortográfica da língua, o grupo de escrita Espherographica visa desenvolver uma série de actividades por fim a melhor as capacidades por meio de interajuda e comunicação com outros. Aqui serão dispostos os resultados dessas sessões.
Textos
Sessão #2 - Descrição Pt. I

Desenvolvimento da linguagem sensorial/descritiva.

O objectivo da linguagem sensorial/descritiva é a recriação de cenários por meio de sensações, ambiências e imagens que culminam numa ideia fulcral de “mostrar” em oposição a “contar”.

A ideia foi desenvolvida por Rebekah Kaplan: o objectivo de um bom escritor é “mostrar” por meio dessa mesma descrição ao invés de “dizer”. Esta ideia pretende desviar o escritor de descrições vazias e ambíguas e linguagem repetitiva, proporcinando ao leitor uma imagem clara e específica do cenário final pretendido. Pode ser melhor alcançada por meio de recursos estilísticos no caso de descrições especificamente sensoriais, em que o autor assente a sua imagem nas sensações. Uma descrição visual da imagem pretendida poderá, também, transmitir um desfecho imagético da ideia que o autor pretende transmitir. Estas duas formas de descrição, quando combinadas, levam à ideia de uma frase “mostrada” em oposição a simplesmente “dita”.

Em ocasião de sentimentos, o acto de “mostrar” assenta, primordialmente, na representação de expressões faciais e gestos distintos do sentimento específico. Neste tipo de descrição, a personagem irá envolver-se no ambiente em que se insere. Pequenos detalhes poderão proporcionar relevância ao sentimento traduzido na cena.

Exemplos

Dizer: A rapariga sentiu-se entusiasmada.

Mostrar: No seu rosto, brotou um rasgado sorriso que parecia iluminar toda a sua face, desde os seus dentes brancos até aos olhos rejubilantes daquilo que parecia ser uma genuína felicidade. Os seus dedos entrelaçaram-se enquanto canalizavam toda a alegria que lhe florescia pelo corpo, brotando em pequenos saltitos que os seus pés largavam, até que as pequenas gargalhadas encheram o espaço por entre os seus gritinhos de excitação.

O texto acima demonstra uma atitude entusiasmada por meio de atitudes corporais e gestos típicos desta situação. Primeiro, o sorriso torna-se a primeira evidência de que a personagem está, evidentemente, feliz. Mas não chega – o autor pretende mostrar que está mais do que feliz, que está entusiasmada. Os seus olhos iluminam-se – e, aqui, o autor recorre a uma figura de estilo (sinestesia) para acentuar a ideia anterior. Por meio do seu sorriso e dos seus olhos, o leitor sabe, agora, que a personagem está feliz. No entanto, isto não chega.

É então que o autor lança um gesto que nos referencia algo mais relativamente à sua atitude. O acto de entrelaçar os dedos pode significar duas coisas: frustração ou pedido. Se olharmos para uma pessoa que ora, vemos os seus dedos nesta mesma posição. No entanto, esta personagem em particular tem um rasgado sorriso e os olhos rejubilantes, portanto, a ideia de frustração está totalmente excluída. O que nos leva ao pedido. Mas ainda que estranho, o autor explica-nos porque o faz: canalizavam toda a energia que lhe florescia do corpo. Portanto, o acto de entrelaçar os seus dedos é um mero acto de contenção que resulta apenas em saltitos, gargalhadas e gritinhos.

Dizer: O professor estava irritado com o aluno.

Mostrar: Por meio de um esgar, o aluno observou o professor. Sentado à sua secretária, os seus olhos esgueiravam um breve olhar fulminante, esmagado pelas fartas sobrancelhas que se contorciam em ódio enquanto os cantos da boca se retorciam fugazmente em descontentamento. Por fim, o homem ergueu-se bruscamente do seu lugar; o ruído da sua cadeira à medida que arrastava sobre o soalho fez a pele do aluno arrepiar-se de súbito temor. O punho cerrado do professor embateu na mesa num baque estrondoso que fez alguns dos alunos soltarem pulos de alerta sobre as suas cadeiras. O aluno estremeceu no momento em que os olhos do professor se pregaram precisamente nos seus.

Neste trecho, o acto de mostrar eleva-se ao nível de envolvência da personagem com o ambiente e outras personagens presentes na cena. Primeiro, sabemos que a personagem que se irrita – o professor está sentado à sua secretária. A secretária torna-se o veículo para demonstrar melhor a sua fúria.

Primeiro, é o seu esgar que nos é mostrado, num olhar fulminante, esmagado pelas fartas sobrancelhas. Um olhar de ódio e desafio normalmente é direccaionado de baixo para cima. Mas um olhar de baixo para cima também pode ser de sedução, portanto, é necessário clarificar que tipo de olhar é este. As fartas sobrancelhas que “esmagam” o olhar (sinestesia) indicam-nos que o que o professor apresenta é ódio, raiva.

Quando se ergue da cadeira para repreender o aluno, as sensações indicam ao receptor (o aluno) a ira que o professor que transmitir por meio da audição (além da visão). O arrastar da cadeira faz a sua pele arrepiar-se em súbito temor, e é esta sensação que atira o aluno para uma nova posição. O súbito reconhecer de uma sensação que lhe transmite ira faz o aluno arrepiar-se de sentir temor. A partir daqui, estão estabelecidas as diferenças entre as posições de ambas as partes. Só falta, ao autor, demonstrar essas posições por meio da imagem: o professor bate com o punho na mesa[1] a ponto de assustar os restantes alunos, e por fim, os seus olhos fixam-se sobre o aluno. A partir de agora, o aluno sabe que está em sarilhos. E o leitor também o sabe, porque o autor mostrou-o.

Este tipo de descrição requer uma visualização concreta por parte do autor relativamente às cenas que cria. É preciso ter em conta a exactidão das acções e a sua coerência. Isto implica que, por vezes, o autor ter-se-á de debater acerca de certas reacções e terá de estudar como certas pessoas reagem a determinadas situações. Por exemplo, se a rapariga entusiasmada não tivesse soltado pulos e gritinhos, ou o seu corpo não tivesse demonstrado qualquer espécie de excitação, o leitor provavelmente apenas seria capaz de percepcionar a parte feliz da imagem, mas não a parte entusiasmada.

Exercício

As seguintes frases “dizem”. A partir delas, construam um pequeno texto que “mostre”. Sintam-se livres para criar situações que reforcem a imagem pretendida.

1. O café estava delicioso.

2. Na rua, estava frio.

3. Estava vento. O homem apertou o casaco.

4. A mulher olhou o relógio impacientemente.

5. Ela sentou-se sobre a cadeira desconfortavelmente enquanto ajeitava a saia.

“Não me digam que a lua está a brilhar; mostrem-me o seu clarão num pedaço de vidro.”

Anton Chekov.



[1] O acto de embater com o punho sobre a mesa é um chamado marcador de ira. No entanto, quando ocorre genuinamente, o responsável fala, pois é um veículo de violência que não consegue mostrar verbalmente.

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quinta-feira, 28 de junho de 2012

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