ESPHERO graphica

Grupo de Escrita Criativa

Sobre
O grupo ESPHEROGRAPHICA é um grupo de jovens estudantes com gosto e paixão pela escrita que procuram a partilha mútua de experiência literárias que possam providenciar uma evolução própria e uma melhor construção de uma identidade literária.
Objectivos
Por meio de exercícios de escrita e de criatividade, desde a dinâmica mental até à compreensão gramatical, sintática e ortográfica da língua, o grupo de escrita Espherographica visa desenvolver uma série de actividades por fim a melhor as capacidades por meio de interajuda e comunicação com outros. Aqui serão dispostos os resultados dessas sessões.
Textos
Exercício #3 - Sessão #1

Livro: Sei Lá, Margarida Rebelo Pinto
Por Ana Santos

O bolognesi cozinhado pela Mariana fumegava nos pratos de cada uma de nós enquanto a conversa decorria. Havia no ar um êxatse pessoal que nos dominava, a nós, mulheres, sentadas àquela mesa redonda da sua ampla sala de jantar, e era evidente porque assim o era: como ditava a tradição dos nossos jantares mensais, atacávamos, por entre garfadas do prato principal, aquela que nos servia sempre de sobremesa: os homens.

– O que me chateia é quando me farto deles – bufou a Luísa, em ares de quem se mantinha um tanto ou quanto a leste, batendo com o garfo na ponta do prato como se tivesse esperado dizer aquela frase toda a refeição, encontrando um contexto que, por fim, nem por isso se parecia enquadrar.

Algumas de nós olharam-se mutuamente, como se quisessem colocar aquela ideia em toda a conversa decorrida, mas a Mariana parecia ter capatado logo a sua funcionalidade. Num trejeito de interesse súbito, empinou o queixo e fitou a Luísa.

– São uns idiotas! – Exclamou. – Coitados. É o que são: uns autênticos idiotas. Olha, para mim, acabou-se. Estou farta.

Havia nela uma tentativa de relaxamento, contudo eu denotava-lhe a evidente mágoa que ocultava nas palavras. Não era díficil compreender porquê. De todas nós, a Mariana era a mais bonita, mas talvez por possuir essa característica que de todas se realçava, era a que parecia ter mais azar com o sexo oposto.

Senti pena dela. Naquele momento, quis tomar-lhe o lado e apoiá-la de alguma forma, senti que necessitava dizer qualquer coisa que a fizesse sentir-se melhor consigo mesma. – Eu acho que são só básicos, todos eles. Percebes, Mariana? – Senti que me soava falsa, que o meu tom não era tão enganador como esperava. Na realidade, parecia tão desesperada em mostrar-lhe que a culpa não era sua que era como se me deixasse levar por uma mentira que não me convencia.

A verdade era que não me sentia minimamente conhecedora de tal matéria. Embora tivesse tido, até então, a minha dose de experiências pessoais, sentia-me cada vez mais distante dessa matéria que era os homens. Talvez o fosse porque a minha vida era dominada por maus exemplos, ou talvez nessa altura não quisesse ver além daquilo que então via: que os homens eram criaturas básicas, com desejos definidos e generalizados que se repetiam de exemplar para exemplar.

Finalmente, a Teresa decidiu participar na conversa. Muito decidida, chegou-se à frente na sua cadeira, cruzando os braços sobre a mesa à medida que afastava o prato de bolognesi da sua frente. – Estamos para aqui a falar para quê? Afinal, nenhuma de nós parece estar bem com o que tem, portanto, não compreendo qual é o objectivo.

– Para ti é fácil falar! – Barafustou logo a Mariana. – Tens a tua vidinha, o teu cãozinho sempre ao teu lado, tudo muito bem. Mas e nós? Nós é que para aqui estamos à espera do príncipe encantado feitas parvas, quando nem um sapo nos aparece! – Houve uma curta risada que, embora não propriamente de escárnio, apenas mera diversão para com a indignação da Mariana, pareceu ofendê-la. Ela voltou-se para a pessoa da qual proviera. – Tu também, Catarina! Estás como a Teresa!

A Catarina tinha razões para ser igual à Teresa. Casada desde os seus dezoito anos, chegara a desistir de uma conceituada universidade em Lisboa e do seu curso de Economia para se transformar numa dona de casa digna do orgulho de Martha Stewart. Vivia numa bela casa no Príncipe Real, toda ela mobilada ao gosto de todo um moderno capaz de deslumbrar qualquer visitante seu, com três pequenos rebentos a cirandarem pela casa e a puxarem pelos cabelos da mãe até o nervoso a enviar para a beira do esgotamento. O marido, o Bernardo, era um homem cuja dignidade o impedia de trocar as fraldas dos miúdos ou sair de casa às sete da tarde para comprar um saco de cebolas ou um punhado de carne para o jantar. As suas aventuras extra-conjugais eram conhecidas de todas, mas ninguém sentia coragem para alertar a esposa fiel para as constante infidelidades do homem. Embora chegasse a casa com o mesmo sorriso, cumprimentasse a mulher com um beijo terno nos lábios e se sentasse no sofá ou passasse horas ao telefone, isolando-se da esposa, vinha sempre com o mesmo cheiro a suor feminino e sexo que transportava do Elefante Branco ou das discotecas onde se enrolava com meninas que mal sabiam distinguir um vodka limão de um joy até as tonturas as entortarem na pista de dança.

A atenção voltou-se para a Mariana, e desta vez, foi a Teresa que encolheu os ombros em despreocupação. – Só esperas porque queres.

– É como vos digo – exclamou a Luísa, acendendo um cigarro e encostando-se na cadeira, ansiosa por retomar ao ponto da conversa que revolveria os seus próprios problemas. – O que me chateia é quando eu perco o interesse. Foi o que me aconteceu com o Manel.

– Como se alguma vez tivesses tido algum, por quem quer que seja – respondeu a Teresa.

– Se calhar é por isso – arrisquei-me a intervir. – Estás sempre a mudar de ares, já não sabes o que queres, percebes?

A Luísa encolheu os ombros, despreocupada, sugando o seu cigarro. – Sabes qual é o problema? É que os tempos mudaram. Eles já não cuidam de nós. Somos independentes, fazemos o que queremos. Se for preciso, até temos empregos melhores do que eles. Agora, são eles que precisam de nós. E nós só os queremos para a cama. Mais nada.

– Não obrigatoriamente…

O sussurro breve vinha da Catarina. Eaquilo fez-nos concentrar a atenção novamente nela: a menina que vivera toda a sua vida com o mesmo homem entalado entre as pernas dizia um qualquer disparate atrevidote que a fazia corar.

– Que é que estás para aí a dizer, menina? – Interveio a Mariana, divertida. – O que é que tu sabes que eu não sei?

Cada vez mais corada, a Catarina encolheu os ombros. – Oh, sei lá… Vi umas coisas, na televisão… Vibradores e assim… Mas eu nunca vi um!

A Teresa largou a rir ruidosamente. – Ao vivo, queres tu dizer? Não sabes o que perdes.

Desta vez, o olhar voltou-se para a Teresa, um círculo de mulheres que tentava compreender se aquilo era uma confissão ou um desafio.

Atrapalhada, a Teresa gaguejou: – Ei, calma aí… Eu não experimentei nada disso. Também vi umas coisas na televisão…

Também a Luísa riu. – Admites que não gostavas de experimentar? Pensa bem: não te suja a casa, não bebe cerveja nem se peida na cama, mas leva-te ao orgasmo à mesma.

– Já para não falar – acrescentou a Mariana, sussurrando as palavras por entre as risadas, – que não tens o problema do “porra, já acabaste?!”.

Rimos todas, menos a Catarina que parecia incomodada com toda aquela conversa. – Parecem homens a falar, vocês – disse, indignada. – Estão a reduzir o sexo a uma necessidade básica. Como se fôssemos todos animais.

– E não somos? – Perguntou a Luísa.

Todas rimos e a Luísa desencostou-se da cadeira em alerta. Era já meia noite e um quarto e queria ir sair. A Mariana, a Teresa e a Catarina bocejaram forçosamente, evidentemente falsificando um cansaço que as impedia de sairem do conforto dos seus lares para mais uma noitada. Mas a Luísa estava eléctrica. Provavelmente, esperava caçar mais algum e divertir-se por aquela noite. No final, eu fui a única que concordei apenas porque sentia em mim uma básica necessidade em controlá-la, não fosse meter-se novamente em disparates. As outras não se convenciam. Despedimo-nos casualmente, vestimos os casácos e saímos.

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sexta-feira, 15 de junho de 2012

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Ana Santos, Licenc. História da Arte, FCSH
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